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Music

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Livro de pequenas crônicas publicadas em rede social abordando memórias, ficção, fatos do cotidiano. Busca resgatar a linguagem oral típica do noroeste fluminense, sobretudo as falas do homem do povo, seu pensamento e tradição.

 

 

Meu nome foi escolhido em homenagem aos meus avós. Não os conheci, mas passei a amá-los como se me tivessem carregado nos braços, nas cacundas, enganchado nos pescoços. Para saber deles, fucei documentos e descobri algo bom: a História. Foi assim que me tornei fuçador das coisas que eram, entocadas. E, na busca silenciosa, tornei-me crente das coisas em que não acredito. As surpresas. Ascético e cético, não aceito nem bruxas, mas já provei do caldeirão.

 

Eis que meu pai me presenteou com um livro de Guimarães Rosa. Ah, então se pode escrever assim, torto enviesado? Assim eu gosto. Batia com as palavras que inventava. Foi um estremecimento, o mundo ressurgiu, fez sentido. A partir dali gostava de escrevinhar. Como riachinhos entre pedras, coisas miúdas. Cascalhos e bagres. Barbatanas e piões. Um dia ajunto mais espraiado. Mas, por ora, me agrada a brovidade, que se desfaz rápida e deixa o bucho cheio.Formei-me dentista, preocupado com a saúde do povo. Sempre enxergava o povo. Sua cultura. Suas riquezas na pobreza.

 

Desse jeito, cuidei mais de serviço público, ao mesmo tempo que saía à cata de calangueiros. E contadores de causos. Foram o barro primordial de minhas invencionices e visagens. Os alumbramentos. Que até hoje me chamam, debaixo de sol, neblina ou chuva.Deles enxerguei o onírico, eu via, nas cavoucadas das enxadas. No cuidar dos cafezais. Nos resguardos de lobisomens. É dessas coisas que preciso contar, para me traduzir. É a gente da lavoura que me chama, tento ouvir o mundo, mas o que bate forte está nas montanhas, nos cafundós, nos pedregulhos, na terra arada.

 

Não foram assim tantos livros, mas os barcos de papel que vi na correnteza.Nem filmes, mas a lobismulher chocando sobre o balaio.

 

Nem músicas, mas as lavadeiras cujas vozes perfumavam os rios.

 

E, para ser breve, é isso: a lama na roda do carro-de-boi. O sabiá que furou o mamão antes do sol. Todas as contas de lágrimas que recolhi ao longo do caminho.

 

E já faz tempo.

 

José Antonio

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